Crônicas
Os sinos da igreja e a vida
2022-08-22 16:07:06

Wilson Márcio Depes

Sempre fico curioso por que os psicanalistas falam tanto da infância. A melhor resposta talvez tenha sido a de que a vida não é continuum, ou seja, não representa uma série de acontecimentos sequenciais e ininterruptos, fazendo com que haja uma continuidade entre o ponto inicial e o final. Ao contrário, não é; inventar um sentido que ligue o presente ao passado é uma obra incessante, que nos oferece um conforto necessário, nos dá a sensação de que atos e fatos se inserem numa história, num conjunto que somos nós. Aliás, como diria o velho Contardo, reinterpretar o passado, descobrir ou inventar novos sentidos para o que aconteceu é quase sempre uma maneira de mudar o nosso presente. Digo isso porque, por exemplo, dias desses senti falta do batido dos sinos da igreja São Pedro. Não sei a razão pela qual não bate mais. Toda a minha vida ouvi o ressoar dos sinos. Principalmente às seis da manhã, meio dia e às dezoito da tarde. Fui criado assim. Pela manhã, era a hora de acordar pra ir à aula e uma vontade louca de dormir mais cinco minutos; meio dia, hora de chegar da aula e almoçar; e, à tarde, a nostalgia de ter que largar o futebol de lado para ir para casa tomar banho, sob pena de castigo. Olhando para trás, verifico a razão de minha organização por horário. E a culpa por chegar atrasado a um compromisso. Os sinos da igreja são o símbolo de tudo. E sinto falta deles, antes de ser um alívio. Por isso acredito que – como vou dizer? – qualquer cura dos incômodos emocionais possuem duas faces: uma, demolidora, que desfaz as certezas cristalizadas da história que nos acua em sintomas que, à vista do nosso passado, parecem inelutáveis, e outra, construtiva, que nos permite reinventar ou modificar um pouco a história da qual seríamos fruto. O que preciso deixar claro é que acredito que os eventos da infância não seriam os mais marcantes dos que os de hoje, mas porque tomam relevância e sentido a partir dos nosso passado e, portanto, de nossa infância. Os sinos da igreja são uma metáfora de minha vida.

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