Crônicas
Um papo antigo? Sei lá…
2023-09-12 10:53:59

Encontro um velho amigo já castigado pelo tempo. Cabelos brancos, pele machucada pelo sol, andar cambaleante. Após um longo e terno abraço, sentamos para tomar um suco. Meus dias, a rigor, não têm permitido tal prazer. Continuo trabalhando muito, a ponto de não deixar que os olhos sejam protegidos por um novo grau dos óculos. Acho que, lá no fundo, me esteja protegendo para não ver o dia passar. O que deveria ser o contrário. Nesse espaço de tempo ele me fez algumas confidências. Contou-me o que lhe dá pavor é, a rigor, o que ele chama de incondicionalismo. “Medo”, diz ele, “é pouco. Devo dizer: pavor. Já o experimentei em todos os degraus da vida. É envolvente, vertiginoso, abissal. Comporta toda sorte de desenvolvimentos”.
Fiquei acompanhando em profundo silêncio. Olhava intensamente seus olhos verdes. E ele continuou: “Haverá algo mais corruptor do que a lisonja? Hoje, o fenômeno tem denominação local de “puxada”. Chama-se puxa ao gajo que destrói a resistência moral do seu superior, ou do seu igual, pela erosiva ação do adjetivo laudatório, do substantivo que afaga a vaidade, lambe o ego e transforma em narciso qualquer criatura enfraquecida pelo incessante desmerecido da modéstia”.
Interrompi por um momento e disse que o discurso dele estava soando muito antigo. As pessoas teriam que sair correndo em busca do dicionário (leia-se – google). E, ao mesmo tempo, duro, cáustico. Ele foi rápido no gatilho: “O que é que você queria, lidei com político a vida toda! Reservei-me o direito de nunca ser incondicional. Não digo que seja fácil e cômodo. Mas digo que é indispensável. Bom mesmo é gostar com naturalidade, sem se prostrar nem se anular. Sobretudo, sem anular o efeito do nosso gosto pelo elogio sistemático, a boca fácil e doce, tão doce que enjoa, da louvaminha. A carne é fraca mas o espírito o é ainda mais, sobretudo nos que têm a carne forte e poderosa”.
Achei que ele fosse parar por ai, permitindo que eu fizesse alguma observação. Ledo engano. Mas ele veio mais feroz: “O protesto é a mais alta forma de utilidade social, porque é a mais arriscada. Mas garanto, assim se viverá muito mais, porque mais intensamente sentirá a vida justificada e terá a única paz possível, a paz consigo mesmo. Eis o que garante uma vida intensa e variada, de sensações inefáveis e desvanecedoras de experiências”.
E foi assim. Um reencontro. Uma lição de vida. Uma lágrima que rolou…

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