Wilson Márcio Depes
Conta a literatura que dois personagens de Boris Pasternak, dois homens de gerações diferentes, conversavam em uma casa de chá, em Moscou, por volta de 1917. Um deles diz que o outro é jovem demais para analisar com correção determinado tema. O mais jovem responde que não tem razão nenhuma para acreditar que a idade aperfeiçoa os seres humanos. O mais velho replica que com a idade as pessoas se tornam mais tolerantes. O mais jovem contesta que isso é certamente porque vão tendo, cada vez mais, o que tolerar em si mesmas. Pois bem, deixando essa discussão mais ou menos de lado, encontro um amigo – vou omitir o nome –, fumante há mais de trinta anos, que prestou o seguinte depoimento que considero da maior importância: “Fumei por mais de 30 anos. No final da vida de tabagista, consumia quatro maços por dia. Nunca consegui me visualizar sem cigarro na mão. Não há um único desenho de meus filhos, quando crianças, em que a figura do pai não apareça com cigarro entre os dedos.
Há cerca de oito anos consegui parar, com a ajuda de medicamentos. Mas o estrago já estava feito. A pior herança, para mim, foram três infartos sequenciais. Não sou ex-fumante fundamentalista, o chato de galocha. Não faço discursos contra o tabagismo até porque são desnecessários. A única coisa que me cabe dizer sobre o assunto é que se eu consegui, qualquer pessoa consegue. E nem posso usar discursos fakes de que meu paladar e meu olfato melhoraram 100%. As mudanças foram imperceptíveis - no meu caso - nesses aspectos. A grande e mais importante mudança foi eu me ter superado a meu favor. Não se trata de tentar ou não tentar, tentar e não conseguir. Trata-se de tomar a decisão”. O depoimento é de amigo querido, jornalista, a quem eu intercedi na conquista de seu primeiro emprego, e, hoje, dentre muitas atividades, é psicanalista. Quero crer que, com isso, tenha trazido algum alento a muitos fumantes que ainda cometem esse suicídio diário. Bom final de semana.
Crônica Revista Leia - publicada em 01/09/2018