Wilson Márcio Depes
A sugestão do presidente Jair Bolsonaro de extinguir a Justiça do Trabalho e transferir as ações trabalhistas para a Justiça Federal, ao que parece, não leva em consideração a relevância da instituição. A proposta de extinção da Justiça do Trabalho foi apresentada por Bolsonaro em entrevista que concedeu dois dias após sua posse. Ele a justificou em nome da supressão de “entraves que dificultam a vida de quem produz”.
Segundo o presidente, o Brasil tem um excesso de leis trabalhistas, o que encarece os custos dos empregadores sem que isso resulte em salários mais altos para os empregados. “É pouco para quem recebe e muito para quem paga. Alguém ganha R$ 1 mil e o patrão gasta na verdade R$ 2 mil. Algo está errado. Nos Estados Unidos quase não tem direito trabalhista. Até um ano e meio atrás no Brasil eram em torno de 4 milhões de ações trabalhistas por ano. Temos mais ações do que o mundo todo junto. Não adianta ter direito e não ter emprego. Qual país do mundo que tem Justiça do Trabalho?”, disse Bolsonaro.
O presidente se esquece, no entanto, que, como lembra Evaristo de Moraes Filho, o direito do trabalho é um produto típico do século XIX porque somente nesse século surgiram as condições sociais que tornaram possível o seu aparecimento, como um ramo novo da comum ciência jurídica com características próprias e autonomia doutrinária. Em síntese o direito do trabalho é resultado da técnica moderna, da industrialização dos tempos modernos. Ou seja, com a máquina é que apareceram os problemas humanos e sociais que deixaram de encontrar solução nos quadros do direito clássico.
Em síntese, o velho professor aponta que os motivos que levaram o Estado a dar esse passo decisivo na história dos destinos humanos, didaticamente, são os seguintes: a) os vícios e as consequências da liberdade econômica e do liberalismo político; b) o maquinismo; c) a concentração de massas humanas e de capitais; d) as lutas de classes, as consequentes rebeliões sociais; e) os livres acordos entre grupos profissionais; f) a encíclica papal “Rerum Novarum” e a guerra (1914 e 1918).
Ao contrário do que disse Bolsonaro, essa instituição existe em países, por exemplo, como a Alemanha, Reino Unido, Suécia, Austrália e França. Não é uma razão simples. Ora, o caráter fundamental no Direito do Trabalho, nessa sequência de raciocínio, está em colocar o interesse da coletividade acima do interesse particular de qualquer pessoa. Eis, assim, uma fórmula criada pela inteligência do professor Russomano que revela o fim e o meio empregado para seu alcance pelo Direito do Trabalho.
Na essência, segundo ainda o professor, a fundamentação da existência do Direito do Trabalho supera todos os fatores ligados à compensação, após tantos séculos de trabalho escravo e servil, pois se procura dar maior elevação à vida do trabalhador é porque a sociedade não pode ser feliz com os declives que nela existem, permitindo o excesso positivo dos ricos ociosos e o excesso negativo do pobre que trabalha sem ganhar o suficiente para a existência regularmente digna.
Portanto, a ideia de extinção da Justiça do Trabalho fere, com toda certeza, a tendência de ampliação crescente e inibe o fato de ser um direito de reivindicação de classes. Principalmente porque o Direito do Trabalho é um conjunto de normas que pugna pela valorização social do trabalhador, não importando se é um empregado, ou um trabalhador assemelhado ao empregado, ou também, um desempregado, mas inserido no mercado de trabalho à procura de uma nova colocação.
A eventual extinção derroga também o caráter socializante do Direito do Trabalho que, aliás, vem inspirando todos os outros ramos do direito, pois realça a finalidade social e o caráter coletivo do direito, menos preocupado, como remotamente, com o individual e o patrimônio abandonando o caráter privativista do direito comum, como observa a juíza Vólia Bomfim Cassar, filha do famoso jurista Calheiros Bomfim.
A prevalecer a ideia de extinção da Justiça do Trabalho fico me perguntando qual ramo do Judiciário recorrerá o trabalhador, quando se sentir ameaçado ou lesado em algum direito? Pretender-se-á, por acaso, excluí-lo da garantia prescrita no artigo 5º, XXXV, da Constituição?
Diário Online - Artigo plublicado em: 01/02/2019