Neste recolhimento imposto pela pandemia, que respeito e recomendo a meus amigos, não deixei de trabalhar. Pelo contrário. Acho que passei a trabalhar mais. O trabalho rende. Outro dia, em dois artigos, pude observar, a pretexto de conselho aos administradores, que os líderes de todo mundo começaram a subir no conceito dos cidadãos a partir da forma como estão lidando com a pandemia. E as pesquisas registram isso. Dois dias antes de Bolsonaro ir ao Supremo, Angela Merkel reuniu as lideranças regionais para definir e modular um plano de volta. Ora, por óbvio, acentua Ana Maria Machado, esses planos são complexos. Não adianta pedir ao Tofolli, porque ele não tem o que dizer. Implicam a definição dos dados necessários, como número de casos, disponibilidade de hospitais, capacidade de testar. Implicam também um redesenho das escolas, das fábricas, dos escritórios. Na Alemanha, técnicos foram às escolas para redefinir o espaço, inclusive determinar o novo lugar dos professores na sala. É isso que estou extraindo do que leio, do que observo, eu que sou apenas um advogado e, por vezes, um jornalista.
O presidente, aliás, que é legítimo e foi eleito democraticamente, nesses meses de coronavírus, ele se tornou um pesadelo do qual está difícil acordar, ele não deixa. Assim que começamos a rir da desgraça que ele disse, o presidente capricha na próxima besteira e não nos deixa esquecer a importância que ele tem, pelo que ele é, em nossas vidas. Cacá Diegues resmunga que “Nunca vivi período político tão insuportável como este”. Luiz Antônio Simas, um mestre, antropólogo especializado nas coisas do Brasil, na crônica de despedida de Aldir Blanc, ele nos explicou a diferença que faz entre Brasil e Brasilidade. “O Brasil”, escreveu, “é, vez por outra, como nos nossos dias, um empreendimento de ódio; a Brasilidade é um canto desesperado de amor e liberdade”. Lembro agora do Ministro Simonsen: o sistema social menos imperfeito é o que sabe corrigir mais rápido seus erros. Chamava a atenção para um aspecto novo no mundo, lá nos anos 1970: não mais o grande a engolir o pequeno, mas o veloz a devorar o lerdo. A pandemia escancara como viemos perdendo tempo pelos anos afora e mantendo esta desigualdade escandalosa.