De início sou forçado a lembrar do meu amigo Zuenir Ventura quando diz que a inveja é inconfessável, mas ninguém se livra dela, por mais que se disfarce. É o pecado mais antigo da humanidade. Na crônica passada narrei que um amigo, sabedor de minha eterna admiração por Rubem Braga, me incumbiu de uma tarefa impossível: escrever uma crônica narrando como Rubem iria se comportar diante da pandemia. Com era uma missão impossível, achei uma saída razoável. O que posso imaginar, a rigor, é que, por si próprio e pela indignada vontade de se mostrar solidário ao sofrimento de todos, o cronista (eu disse cronista) estaria morto. O cronista morreria sufocado por um acúmulo de comorbidades, vítima da certeza desiludida de que as forças do mal haviam se acumpliciado para a asfixia geral. Na crônica de hoje encontro mais um motivo pra morte, não do Rubem, mas dos temas que apoiam as crônicas. Conta-me Ruy Castro, que também é de Caratinga, como Ziraldo, que, ao mesmo tempo, Bolsonaro vê multiplicarem-se os que repelem sua política de negação da pandemia, agressão às instituições, destruição da Amazônia, extermínio do povo indígena, racismo explícito, desmantelamento da educação, da cultura e do patrimônio. Ora, o aborrecimento a ele já não se limita aos brasileiros de várias cores políticas e partidárias. Vem também de importantes instituições internacionais com quem o Brasil mantém —ou mantinha— relações.
Pra tentar subtrair parte de o número de vítimas diárias da Covid – coisa que a justiça repeliu, adequadamente -, para fazer parecer que elas estão diminuindo, Bolsonaro pensa que ninguém aqui sabe, minimamente, aritmética. Olha que fui aluno da professora Maria Eduarda, no meu e nosso Liceu. Mas não é uma questão de tabuada. Não, não é. É muito mais dramático. Por trás de cada número, há alguém que seguiu conosco pela vida, que nunca mais veremos e em cujo sofrimento final não suportamos nem pensar. Digo mais. As mentiras de Bolsonaro não os trarão de volta. Disse a um amigo este final de semana: eu não sei se a vida é maior que a morte, mas o amor é maior que ambas.