Crônicas
Você mal percebe ele ir...
2022-08-22 17:41:08

Enquanto os ministros conferem seus (deles, claro) milhões de dólares nos paraísos fiscais, vou me permitir uma pequena abstração. Isto porque memória é vida.    Cultivava   uma velha mania que, hoje, é totalmente anacrônica. A era digital fez perder inteiramente a sua graça.  Ainda adolescente, recebia, fatalmente, todos os anos, as agendas descritivas do Buaiz S.A.  Ali, para economizar cadernos, lançava as frases que mais me atraíam nas leituras e também as palavras que não conhecia; estas, só depois ia descobrir o seu real sentido no velho Aurélio.  Achava isso cultura. E não era, não? Mas guardava as agendas como se fossem relíquias. Seu conteúdo, cheguei a usar em algumas redações de colégio. Com determinadas mudanças, ousei empregar frases como se fossem minhas.  Isso, confesso, me causava culpa. Até que um dia, lendo uma crônica do velho Braga, vi que ele pedia desculpas a Drummond. Trabalhando no interior, correndo atrás de uns trocados, Rubem se penitenciou-se com o poeta por ter usado uma crônica dele. “Sei que Drummond não se incomodará, afinal, estava sem tempo e precisando de dinheiro. E ele já escreveu tanto, e tantas coisas bonitas, que não se incomodará.” Isso pra mim foi um alívio.     Lembro-me que meu avô paterno, mineiro de Leopoldina, aconselhava a nunca contar um segredo. Guardei o conselho.  Muito tempo depois, em Brasília, para uma conversa importante com o Tancredo Neves, um senador amigo levou-me em sua companhia. Ele precisava contar uma confidência que abalaria a República.  Foi ao encontro da velha raposa mineira só para isso.  Chegando lá, expôs sua ansiedade.  O velho senador, num gesto carinhoso, o interrompeu e foi logo dizendo: “É segredo?”. “Sim”, respondeu, o meu amigo também senador.   Tancredo foi rápido no gatilho: “Então não me conte. Se você, que é o dono do segredo, não consegue guardá-lo, imagine eu." A conversa foi registrada no velho calendário.        Encurtando a conversa. Chego em casa um dia, uma antiga funcionária que só fazia limpeza, deu uma geral, deixou “um brinco”, como dizia minha mãe. Desconfiado, fui em busca de meu calendário. Procura daqui, procura dali, ... nada. Até que a funcionária foi afirmativa: “Aqueles papéis velhos que estavam ali, foram para o lixo!!!”. Correndo, fui tentar recuperá-los nas caçambas da Prefeitura. Era tarde, muito tarde.  Já tinha sido recolhido. Sobrou-me, apenas, o socorro: “A vida é toda ela memória, exceto por um momento presente indo embora tão rápido que você mal percebe ele ir."  Acho que é assim mesmo..."   

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