Machado de Assis, lá atrás, ensinou que é possível iniciar uma crônica com uma trivialidade. Por exemplo, que susto! Ou, aqui em Cachoeiro, que calor! Afinal, a bela crônica foi inventada pelos irmãos Newton e Rubem Braga. Posso começar a última deste ano com: que alegria! O médico e amigo Sérgio Damião, mais cachoeirense que nós, em sua crônica publicada nesta nossa querida LEIA, em sua edição passada, fez alusão aos meus dois livros – Fotocrônicas I e II. Aliás, neles faço registro histórico e ao mesmo tempo emocionado de personagens populares que aqui marcaram minha vida de forma implacável. A homenagem e a lembrança de Sérgio chegam numa hora em que preparo o terceiro número. Digo: o que apurei com a venda dos livros foi revertida para a Casa do Câncer. Sérgio, aliás, com seu olhar perspicaz – como é de seu temperamento –, percebe, com fina e delicada crítica social, que um personagem que ele deparou pelas ruas da cidade é um pouco diferente dos que se encontram nas páginas dos livros de Fotocrônicas. Diz ele sobre seu personagem que “O seu caminhar pelas ruas da cidade projetam medo”, diz ele. “Ou, no mínimo, estranheza”, acrescenta. Penso: os tempos são outros e não percebi? Fico me perguntando até que ponto as profundas mudanças em nossa sociedade atingiram nossos personagens tão queridos e tão meus próprios. E como isso se deu. Lembro que quando escrevi o segundo número já estava de posse de um celular – presente do amigo Clóvis de Barros, então presidente da Telest.
A crônica de Sérgio tem-me feito refletir, eu que ando tão cáustico em minhas crônicas. Lembro, em meu socorro, que o bruxo Borges já dizia que um fato qualquer – uma observação, uma despedida, um encontro, um desses curiosos arabescos em que se compraz o acaso – pode ocasionar emoção estética. Se não fosse assim, o que fazer com gastas palavras? Nas minhas insônias, registradas no velho relógio de minha avó, encontro um razoável sossego, afinal.
No prefácio do meu primeiro livro, Rubem Braga me acalenta. Diz que é assim mesmo. Cachoeiro é uma cidade como as outras. Só que é Cachoeiro, e isso tem demonstrado ser uma impressionante singularidade. Algo especial existe por aqui, por essas ruas, e pontes e curvas. As pessoas que não são de Cachoeiro é que dizem isso, e perguntam o que há. Não há nada. É Cachoeiro. E Cachoeiro é assim, Sérgio.