Eu
que gosto muito de nadar no mar - e o faço, com mais rigorismo, sempre neste
período do ano -, devo uma confissão: a crônica que mais me comove do de Rubem Braga,
que completaria 116 anos no dia 12 passado, é aquela que ele trata do tema. Seria
um absurdo se eu resolvesse interpretá-la.
Transcrevo-a para não roubar sua pureza e emoção. “De minha varanda
vejo, entre árvores e telhados, o mar. Não há ninguém na praia, que resplende ao
sol. O vento é nordeste, e vai tangendo, aqui e ali, no belo azul das águas,
pequenas espumas que marcham alguns segundos e morrem, como bichos alegres e
humildes; perto da terra a onda é verde. Mas percebo um movimento em um ponto
do mar; é um homem andando. Ele nada a uma certa distância da praia, em
braçadas pausadas e fortes; nada a favor das águas e do vento, e as pequenas
espumas que nascem e somem parecem ir mais depressa do que ele. Justo: espumas
são leves, não são feitas de nada, toda sua substância é água e vento e luz, e
o homem tem sua carne, seus ossos, seu coração, todo seu corpo a transportar na
água.
Ele usa os músculos com uma calma energia;
avança. Certamente não suspeita que um desconhecido o vê e o admira porque ele
está nadando em uma praia deserta, Não sei de onde vem essa admiração, mas
encontro nesse homem uma nobreza calma, sinto-me solidário com ele, acompanho o
seu esforço solitário como se ele estivesse cumprindo uma bela missão. Já nadou
em minha presença uns trezentos metros; antes, não sei, duas vezes o perdi de
vista, quando ele passou atrás das árvores, mas esperei com toda confiança que
reaparecesse sua cabeça, e o movimento alternado de seus braços. Mais uns cinquenta
metros, e o perderei de vista, pois um telhado o esconderá. Que ele nade bem
esses cinquenta ou sessenta metros, isto me parece importante, é preciso que
conserve a mesma batida de sua braçada, que eu o veja desaparecer assim como o
vi aparecer, no mesmo rumo, no mesmo ritmo, forte, lento, sereno. Será perfeito;
a imagem desse homem me faz bem. É apenas a imagem de um homem, e eu não
poderia saber sua idade, nem sua cor, nem os traços de sua cara. Estou
solitário com ele, e espero que ele esteja comigo. Que ele atinja o telhado
vermelho, e então eu poderei sair da varanda tranquilo, pensando – ” vi um
homem sozinho, nadando no mar; quando o vi ele já estava nadando; acompanhei-o
com atenção durante todo o tempo, e testemunho que ele nadou sempre com firmeza e correção; esperei
que ele atingisse um telhado vermelho, e ele atingiu”. Agora não sou mais
responsável por ele; cumpri o meu dever, e ele cumpriu o seu. Admiro-o. Não
consigo saber em que reside, para mim, a grandeza de sua tarefa; ele não estava
fazendo nenhum gesto a favor de alguém, nem construindo algo útil; mas
certamente fazia uma coisa bela, e a fazia de um modo puro e viril. Não desço
para ir esperá-lo na praia e lhe apertar mão; mas dou meu silencioso apoio,
minha atenção e minha estima a esse desconhecido, a esse nobre animal, a esse
homem, a esse correto irmão.