Crônicas
Vento encanado…
2023-08-25 12:23:06

Minha cabeça ficou meio perdida em plena terça-feira quando, a rigor, escrevo esta crônica. Primeiro, me deparo com o velho cronista Joaquim Ferreira dos Santos – aquele que sempre frequentou a casa de Rubem Braga – com as lembranças: “corre menino, olha a friagem. Fecha essa janela que você vai pegar um vento encanado nas costas e depois uma pneumonia”. Todo os dias lê que a ciência mostra isso, mas não tem nada a ver. Mas o passado volta, insiste em voltar com muita força. A ponto de desprezar a bióloga Pasternak. Pelo sim, pelo não, até hoje fujo do “vento encanado” e só tomo banho frio. Justamente porque os mais velhos – principalmente minha avó paterna – sabiam de pessoas que morreram de pneumonia por causa do famoso “vento encanado”.

Conta o cronista – que é inteiramente a favor da ciência – que diante de um terçol, sua mãe pegava a aliança, esfregava até aquecê-la bastante, e depois colocava na vista, exatamente onde o terçol houvera crescido. Era tiro e queda, já que, em tese, a quentura matava vírus. Embora os médicos digam que “tudo não passa de bobagem”, os mais velhos possuem argumento infalível: “mal não faz”. Só faltou contar a estória do baixinho do barbante. Amarrava um barbante no tornozelo. Quando inchava e o barbante estourava, parava de beber. Desinchando, voltava, mas o barbante ficava lá regulando.

Contando isso, me assusto com a notícia de que o pensador e intérprete do Brasil, José Murilo de Carvalho, que já foi meu professor de ciência política, em Brasília, faleceu de covid. O professor José Murilo, a bem da verdade, cuidou de nossa memória crítica, cívica e cidadã. Guardo, com carinho, seu livro autografado – “A construção da cidadania do Brasil”, editado pela Civilização Brasileira e que conquistou o prêmio “Casa de las América”. A quem possa interessar – e vale a pena – a editora prepara uma reedição luxuosa, que será publicada no mês de novembro.
A última entrevista do professor José Murilo, em 2019, publicada, se não me engano no jornal O Globo, ele expressou seu desencanto pelo país: “Minha visão é muito pessimista. Haverá saída para situação em que vivemos? Eu acho muito difícil com uma marginalidade tão grande, com tanta exclusão social, milhões de pessoas desempregadas, subempregadas ou não empregáveis por falta de educação”.

E foi assim minha terça-feira. E seus reflexos. E ainda teve a derrota do Flamengo, no domingo … Fui conferir, meu horóscopo não apontava grandes coisas… Ou seja, estava péssimo.

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