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DISCURSO EM HOMENAGEM AO ADVOGADO SÉRGIO BERMUDES
2022-06-29 12:00:00

16 de agosto de 1996


Com procuração, sem firma reconhecida, outorgada por nossa Presidenta Maria Lúcia, venho dizer-lhe, Sérgio, que esta homenagem nasce da síntese dos sentimentos mais puros de seus irmãos cachoeirenses.
Sentimentos inspirados na nobreza, na dignidade, na poesia de Newton e Rubem Braga.
Testemunha dessa nossa emoção é o Itapemirim, doce rio que corre aqui atrás; rio que passa, que vê todas as épocas, seres em movimento, assiste, impávido, às pessoas que vão e vêm num movimento como próprio tempo.
Depositário de todas as dores e amores. Há segredos nossos que o Rio levou, Sérgio. Quantas noites o som, os sonhos e passos nos uniram às águas de nosso Itapemirim. Cada pedra depositada nesse rio-matéria de nossa vida. Nosso Cachoeiro eterno.
Rubem Braga, sabiá da crônica. Sérgio Bermudes, a estrela reluzente da Justiça e do Direito.
A mesma vertiginosa perplexidade que embalou o velho Braga: "É extraordinário que eu esteja aqui, nesta casa, nesta janela, e ao mesmo tempo é completamente natural e parece que toda a minha vida fora daqui foi apenas uma excursão confusa e longa; moro aqui. Na verdade onde posso morar senão em minha casa?"
É a mesma que acariciou Sérgio Bermudes, em Atenas:
"Lembrei-me do Liceu, particularmente, quando, em Atenas, visitei a Acrópole. O Liceu é maior que a Acrópole".


Bendita metáfora.


Como em Rubem Braga, que hoje suas cinzas se confundem com as águas do rio, haverá no coração do jurista mais famoso do Brasil, na ânsia de juntar as duas pontas da vida, os olhos azuis do Dr. João Madureira, aqui do lado, a embalar o nosso Itapemirim.
Onde ficaram, me diga, Sérgio, por favor, onde ficaram as saias pregueadas e azuis, as blusas, os dolmãs cáqui, a camisa branca, a gravata preta, os sapatos tipo tanque dos alunos do Liceu?


Como o Rosebud, de Orson Welles, atormenta a infância desaparecida, a erudição de Aylton Bermudes, a disciplina de Edmar Baião, a elegância e dignidade do professor Deusdedit, o ar sherloquiano de Zé Coutinho, a missão inglória de Catiquinha para flagrar os alunos rebeldes fumando nos banheiros do Liceu.
Vivos estarão, por certo, os cabelos louros, olhos azuis da professora Eda Zippinoti, como um oceano nada pacífico, a suavidade de dona Evany, os discursos inflamados do diretor Wilson Rezende, a voz rouca de Bastião, o quebra queixo do Zezinho, a fina ironia do professor Ávila. Dona Stael na secretaria. A ingênua timidez de Neise Cunha Rodrigues.
Debatem-se, em silêncio profundo e cortante, a torcida comandada por Fuzer nos jogos escolares, as acirradas e politizadas eleições do Grêmio, a Casa do Estudante, e a beleza grega da Suely Paes. Como esquecer tantas lembranças? É a espiral que engole a alma, como moenda que tritura a cana para libertar-se.
O jurista mais famoso do país, feito dessa matéria, mostrou, através dos tempos, que a vida de um povo, favorecido ou não pelas circunstâncias, compõe-se desses elos indestrutíveis, que o tempo vai conservando ou polindo.
Na felicidade banal do cotidiano ou a defesa intransigente da democracia, tendo Herzog como símbolo da ação declaratória da ausência do estado de direito. Revelou, para o país e para a História - como a força das vozes desse rio - que a liberdade é o eixo da pessoa humana.
E que por mais paradoxal que seja, até mesmo decisões iníquas podem ser fontes de liberdade.
Ninguém sabe ao certo onde jazem os restos mortais do escravo Dred Scott. Contudo, a decisão da Corte Suprema Americana que o manteve escravo foi o estopim da libertação de todos os negros da América do Norte.


Mário de Andrade diz que não devemos servir de exemplo a ninguém. Mas podemos servir de lição. Sérgio é lição!
Sérgio empurrou com as próprias mãos os nossos horizontes. Com elegância de sempre, nos oferece a lição que os homens passam, mas os direitos que uma geração estabelece, através de suas lutas, às outras gerações, são legados, pouco a pouco criando o patrimônio comum das leis, as garantias e liberdades de uma nação.
Quando diziam a Thomaz Edison que sua invenção era inspiração, respondia, com certa irritação, que era transpiração, suor, abnegada superação de fracassos e frustrações.


Sérgio Bermudes hoje é símbolo. De discernimento, cultura jurídica e humanística, de vigilância crítica. É lição de justiça e de direito. É legado para todas as outras gerações.
Sérgio é lição de que o país não espera dos advogados um ajuntamento dócil e dúctil, afável e agradável e risonho, homologatório e conservador diante iniqüidades perpretadas pelos poderes maiores.
É lição de que o direito é como a natureza - em estado de transformações constantes, protéico, essencialmente mutável, força tumultuária indestrutível.


A presença do jurista na Reforma do Código de Processo Civil, nas marcantes atuações nos processos mais reluzentes do país, na cátedra, nas citações doutrinárias produzidas por advogados de todo o país.


Ou na atualização da obra de Pontes de Miranda, se me permite, Sérgio, você nos proporciona sentimentos de vaidade e orgulho. Mas orgulho puro, vaidade da gente de Cachoeiro.
A alusão à obra de Pontes de Miranda, não terá sido um registro, mera citação, nem mesmo uma improvável causalidade. Uma comparação, com certeza.


Como advogados, temos a felicidade de lhe dizer, num testemunho emocionado, pela pujança de suas lições, Sérgio, que ainda jovem, você já colhe a recompensa anunciada pela profecia de DANIEL:


"Os que tiverem ensinado a muitos o caminho da justiça luzirão como as estrelas por toda a eternidade".


Como cachoeirenses, Sérgio, somos orgulhosos de ter nascido no seu tempo, e ter você como nosso irmão permanente.


"Na casa de meu Pai há muitas moradas. Se não fosse assim, eu vo-lo teria dito. Vou preparar-vos lugar".



Obrigado por tudo.

 


Acervo pessoal Wilson Márcio Depes - 16/08/1996

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