Publicações
Sustentação Oral - Proc nº 00011763120124025002
0000-00-00 00:00:00

Sustentação Oral - Proc nº 00011763120124025002

SUSTENTAÇÃO ORAL

1. Exmo. Senhor Presidente, egrégia Corte, preciso dizer que é uma honra muito grande estar hoje aqui. Dessa forma saúdo Vs. Exas. Peço licença, em face de exiguidade de tempo, para proceder a esta exposição por escrito. Antes, porém, gostaria de prestar uma homenagem à memória da eminente e culta Juíza Dra. Salete, que engrandeceu sobremaneira o Judiciário Brasileiro. Registro aqui minhas comovidas homenagens em nome do meu Estado do Espírito Santo.

2. Pois bem. Aproveito este ensejo para seguir um conselho do filósofo Bertrand Russel: “Quando você está estudando um assunto, pergunta a si mesmo, somente: quais são os fatos? E quais as verdades estes fatos revelam”. Trata-se de ação declaratória de nulidade c/c pedido de reintegração em cargo público. Inicialmente, e sem deixar de lado o respeito que nutro pela d. Magistrada sentenciante, chama especial atenção a superficialidade com a qual a r. sentença recorrida aprecia os fatos e as provas expostas nos autos, gerando, com isso, sérias contradições e, sobretudo, profunda injustiça.

3. Um simples exemplo. Diz a r. sentença “o autor teve a oportunidade de indicar todas as testemunhas que cabiam a sua defesa na seara administrativa, não havendo qualquer indeferimento pelo Presidente do PAD (...). Inclusive a testemunha, Sr. Jorge Miguel Simões, policial também presente no dia da primeira fiscalização, não veio a ser arrolada pelo autor no PAD, tenha sido ouvida apenas como testemunha em sede de audiência judicial.” Fecho aspas.

4. Ledo engano. Basta uma leitura minimamente atenta dos autos e das peças apresentadas pelo Apelante ao longo de todo o trâmite processual, para se constatar, com facilidade, que a testemunha Jorge Miguel Simões, além de arrolada, foi ouvida durante o processo administrativo. Mais precisamente às fls. 98/99 do PAD, que correspondem às fls. 148/149 dos autos. E o seu testemunho é crucial para o deslinde da questão.

5. Aliás, já naquela oportunidade, ele destacou:

(...) QUE não verificou qualquer irregularidade na abordagem do ônibus realizada pelo Policial Moreira (...);” . Mais na frente retorno ao depoimento em Juízo.

6. Por essa e razão, o e. Min. Luiz Fux, ainda no c. STJ, em mandado de segurança impetrado pelo ora Recorrente, ressaltou:

O Judiciário pode rever a aplicação de sanções disciplinares quando escassa e frágil a prova utilizada para embasar a punição. Precedentes. (ROMS nº 27.967, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 14/02/2012).

7. Além disso, concorre para a reforma da respeitável Sentença, o fato de o Recorrente ter sido absolvido na esfera criminal, pelos mesmos fatos e à luz das mesmas provas utilizadas na via administrativa. É fundamental juntar o pronunciamento do Ministro Gilmar Mendes: “(...) da análise dos autos verifico que não houve prova específica quanto a conduta do referido servidor. Ressalte-se que foi absolvido na esfera criminal com base na insuficiência de provas quanto a sua conduta nos fatos noticiados na Portaria que instaurou o PAD. Mesmo que de forma relativa, há que se considerar tal situação, pois o mesmo ocorreu no processo administrativo disciplinar. O conjunto probatório não é convergente no sentido da responsabilidade do autor-apelado, cuja dúvida milita em seu favor, eis que não há nos autos provas de sua participação, mas, tão-somente, mera presunções, suposições".

8. Explico. O Apelante, na função de Policial Rodoviário Federal, em duas oportunidades distintas, realizou, legalmente, abordagens em ônibus da malfadada e corrupta FANTOUR, vindo a constatar uma série de irregularidades, que culminaram com a lavratura de pelo menos 7 (sete) autos de infração.

 

 

 

9. Em ambas as oportunidades, a empresa se viu obrigada a realizar o transbordo dos passageiros. Revoltada e temerosa por novas investidas fiscalizatórias do Apelante, na qualidade de policial rodoviário federal, além de atuante e completamente digno, especialista na fiscalização de coletivos, a empresa FANTOUR, em conluio com seus motoristas, confeccionou desarrazoada representação na Superintendência de Polícia Rodoviária Federal.

10. É válido que se anote, já neste primeiro momento, que a empresa em questão teve seu registro cassado pela ANTT em face, justamente, da realização de transporte clandestino, em razão do transporte de contrabando do Paraguai.

11. Transcorrido o processo administrativo, a comissão processante, absurdamente, com base tão somente nos depoimentos dos representantes da empresa em questão, aplicou a pena de demissão ao Apelante. Claro que se tratava de um país antes da Lava Jato, quando as empresas exerciam poder obscuro, esfíngico e sibilino junto aos poderes. E um Policial Rodoviário Federal se via muito frágil diante dessa estrutura corrupta e sem escrúpulos que se considerava uma madame Du Barry. O Judiciário não pode ceder à chantagem e intimidações.

12. Não exagero quando digo que a empresa era corrupta. Na ação penal instaurada muitos fatos relevantes vieram à tona, dentre eles: a) Descobriu-se que um dos motoristas era proprietário de um dos ônibus autuados; b) que a empresa FANTOUR teve seu certificado cassado pela ANTT; c) o proprietário da empresa FANTOUR era dono de pomposa ficha criminal no estado do Rio de Janeiro; d) as multas aplicadas pelo Requerente foram validadas pela ANTT, sendo apenas cancelada uma infração por erro formal; das multas aplicadas na primeira abordagem, apenas uma foi de autoria do Requerente, dentre muitos outros fatos que levaram à absolvição do Apelante na seara criminal.

13. Por via equivocada de mandado de segurança, o Apelante buscou sua reintegração aos quadros da Polícia Rodoviária Federal. Mesmo assim, disse o e. Ministro Luiz Fux:

Todavia, entendo, diante dos documentos que instruem o presente mandamus, que a Administração baseou a punição do impetrante ora Recorrente, em provas aparentemente frágeis. Acusado administrativamente de ter solicitado propina para deixar de lavrar autos de infração em desfavor de uma empresa de transporte, bem como de ter imposto multas indevidas ante a recusa de pagamento da suposta peita, as únicas testemunhas ouvidas foram os motoristas dos veículos vistoriados (conforme fls. 230) e o dono da empresa de transporte multada (fl. 233). O único fator considerado como afiançador dos aludidos testemunhos foi a posterior invalidação das multas aplicadas, sem maiores considerações a respeito dos motivos que levaram a tal invalidação (fls. 233).

É bem verdade que o mandado de segurança é procedimento especial no qual é vedada a dilação probatória, Entretanto, o não cabimento do writ, no caso concreto, não é motivo suficiente para fulminar o direito material que a parte eventualmente possua.

14. Na mesma linha o eminente Ministro Napoleão Nunes Maia, ponderou:

(...) Mas será que ele fez isso mesmo? Essa dúvida me assalta. Não tenho tranquilidade de condenar uma pessoa nessas circunstâncias probatórias, porque se as testemunhas não foram acordes e se não veio aos autos o procedimento do cancelamento das multas, como podemos afirmar com convicção e certeza que esse cancelamento foi ímprobo [...]. (Mandado de Segurança nº 13.169 DF, Re. Min. Jane Silva, julgado em 11/02/2008).

15. Aliás, o e. STJ praticamente já pacificou o assunto nos seguintes termos: “A imposição da pena de demissão a servidor público deve estar lastreada em prova convincente, que ateste a razoabilidade e a proporcionalidade da medida.” (MS 12.957 de 26/09/2008). E mais: sob a relatoria do eminente Ministro Mauro Campbell Marques, em caso idêntico, reformou a sentença recorrida para reintegrar o interessado ao quadro de pessoal do Departamento de Polícia Rodoviária Federal, com o pagamento dos vencimentos retroativos a partir da demissão (REsp 1284571, 24/02/2011).

16. Graves são as contradições e discrepâncias e desinteligência entre a sentença e os fatos que exalam do processo. Por absoluta falta de tempo deixa de enumerá-las completamente.

 

17. Em rápida síntese, ficou provado, de forma indiscutível, que o Autor é (a) policial correto; (b) não praticou qualquer ilicitude; (c) a acusação foi fruto da pressão de empresas corruptas e sem qualquer conceito; (d) o policial que presidiu o PAD usou de parcialidade o tempo todo, a ponto de dizer que não existiam policiais especializados em transporte coletivo para, logo depois, desdizer; e) em completo despudor e arbitrariamente ouviu apenas as testemunhas interessadas no caso, o que causou perplexidade até ao colendo STJ.

18. O depoimento da testemunha Jorge Miguel Simões é decisivo. Além de ser a única testemunha presencial isenta, é um profissional conceituado e especialista em fiscalização de transportes. Mostra que: “Eu estive presente no ato da primeira fiscalização. Até porque só eu e ele tínhamos conhecimento sobre esse tipo de fiscalização. Esse tipo de abordagem, sobre transporte coletivo de passageiro. Ninguém se interessa, ninguém tem interesse, porque é uma coisa muito pesada, em termos de (...inaudível) principalmente de denúncia. Porque você mexe com pessoas poderosas que tem grande poder aquisitivo e acaba gerando muita denúncia, porque, até porque as multas são muito pesadas e os procedimentos geram prejuízos para as empresas de transportes clandestinos. Como por exemplo, ter que pagar um transbordo que é pagar outro ônibus para conduzir os passageiros até o destino e o retorno. Então não fica muito barato e eles se revoltam muito com os policiais que trabalham nesta área e eu gostaria de citar que hoje no Espírito Santo não tem nenhum policial trabalhando nesta área exatamente por isso.

19. No mesmo sentido foi o depoimento do policial Carlos Augusto Gasparine.

20. Os acusadores, a quem o Presidente do PAD deu tanta importância, são pessoas useiras e vezeiras em trampolinagens e trapaças.

21. O comprometimento das pessoas ouvidas ao longo do PAD – e, também ao longo do processo como testemunhas da União – é evidente, e, inclusive, mereceu, educadamente, o destaque do d. Magistrado responsável pela r. sentença absolutória na esfera criminal (fls. 282/290). Assim:

Dando início ao PAD, a comissão ouviu os citados motoristas, sendo que tais testemunhas eram, no mínimo, interessadas indiretamente no próprio julgamento da representação e, portanto, não seriam imparciais, como exigido nestes casos. [...]

22. Ao se referir à testemunha Rodnei dos Santos, um dos motoristas autuados, alertou o i. Magistrado sentenciante que “(...) como proprietário de fato do ônibus fiscalizado pelo réu, a referida testemunha tinha interesse direto no deslinde da questão, sendo que tal condição não foi observada durante o PAD”.

23. A par disso tudo, concluiu o d. Magistrado, num julgamento equilibrado e coerente, o qual, absolutamente, não pode ser ignorado em qualquer esfera:

(...) O que temos nos autos para embasar uma condenação penal em desfavor do réu Hoarings são apenas os depoimentos de motoristas da empresa denunciante Fantour, sendo que um deles era até proprietário de fato de um dos ônibus fiscalizados.

De outro lado, temos o depoimento da testemunha presencial de um dos fatos narrados na denúncia, o PRF Jorge Miguel Simões, o qual nega todos os crimes imputados ao réu Hoarings, bem como todas as demais circunstâncias acima apontadas que pesam em favor do réu Hoarings, como a inidoneidade da empresa denunciada Fantour, que teve seu Certificado de Registro de Fretamento cassado pela ANTT por outros fatos ocorridos anteriormente, a falsidade de vínculo empregatício com a empresa Fantour utilizado pela testemunha Gilmar Pereira dos Santos junto a PRF no dia de um dos fatos, a confirmação da legalidade de 5 (cinco) multas e o cancelamento de uma multa em razão de erro de preenchimento (erro formal), de um total de 7 (sete) multas lavradas pelo réu e pelo PRF Miguel nos dias dos fatos narrados na denúncia.

Assim, tenho que a certeza de uma condenação penal em desfavor do réu Hoarings se ressente de prova menos frágil que os depoimentos dos próprios motoristas denunciantes da empresa Fantour, os quais possuem interesses diretos e indiretos na questão, cujas afirmações devem ser recebidas com reservas.

Conclusão

24. Ora, eminentes Desembargadores, a penalidade de demissão se insere como uma das mais gravosas entre as cominadas pela lei. Por isso, inequivocamente, não deve incidir quando houver dúvida plausível a respeito da culpabilidade do servidor. Na ausência de prova robusta acerca do suposto fato ilícito, deve prevalecer, em juízo de ponderação orientado pelo princípio da proporcionalidade, a salvaguarda dos direitos fundamentais do direito público, eis que absolutamente não foi comprovado, em momento algum, o vilipêndio ao patrimônio material e imaterial da Administração Pública.

25. O julgador é o direito tornado ser humano. No momento em que se tenta reconstruir moralmente este país, com a punição dos corruptos, através de julgamentos sob a égide do Estado de Direito, não é possível que se perca de vista os direitos à dignidade humana ou se permita ruptura de seus paradigmas, por meio da negação do valor da pessoa humana como fonte de direito. A história da humanidade é uma marcha lenta, mas constante, de aprimoramento moral e espiritual. O reconhecimento da igual dignidade e dos direitos fundamentais de todas as pessoas constitui um capítulo essencial dessa elevação da condição humana.

26. Por essa razão, peço a reforma da r. sentença, com a reintegração do Apelante ao seu cargo de Polícia Rodoviária Federal, com o pagamento dos vencimentos retroativos, a contar da publicação da Portaria de demissão, para que a Justiça seja restabelecida e em nome do mais comezinho direito à dignidade humana.

Link da Matéria:
Leia mais Crônicas
Precisa de ajuda? Entre em contato com nossa equipe de advogados
V1.0 - 0730 - © WILSON MÁRCIO DEPES ADV. - Agência PenseDMA 2022. Todos os direitos reservados.